terça-feira, 12 de março de 2019

Belas Maldições - Humor britânico mais afiado que a foice da Morte

Esta é minha 100ª postagem neste blog. Eu já fiz resenhas, poemas, contos, colaborações e até posts meio perdidos. Eu só percebi que era um post "comemorativo" quando fui colocar aqui o que tinha escrito. Por isso minha maior celebração será agradecer a vocês que vem me ler, mesmo os que não comentam! Só por saber que estão aí já ajuda bastante. Obrigado!

Quando a Deusa fez o mundo ela deve ter pensado "taí... preciso de gente pra deixar isso divertido" e foi lá e criou Neil Gaiman e Terry Pratchett... um dia eles também se uniram e... Belas Maldições nasceu.

Belas Maldições


Neil Gaiman criou a Morte, uma figura gótica (linda) e simpática que tem suas próprias desventuras ao cumprir seu papel como força do Universo que estará lá no final, ela já sabe disso, e é por essa razão que ela se permite ser melancólica, ás vezes mais que o irmão, Sonho, por incrível que pareça. Terry Pratchett também criou a Morte, a criatura esquálida, na real esquelética, que frequenta os eventos mais esquisitos e, quando é alguém importante, como um Mago, faz uma visita pessoal para buscar sua alma. Sem qualquer senso de humor, nem mesmo expressão, é uma das figuras mais carismáticas do Mundo do Disco. Juntos, eles criaram mais uma Morte... e um Apocalipse. E todo o resto.
A bela Morte de Gaiman
Belas Maldições é um livro que levei anos pra pegar mesmo sabendo que eu deveria ler. Eu gosto dos livros do Gaiman, eu adoro Discworld, então por que não? A resposta era óbvia, na verdade: eu não estava preparado para o que eu ia ler. Diferente do que pensei, o livro escrito a quatro mãos não é tão palatável quanto os do Terry, nem tão exótico quanto os do Neil. Fica no meio termo, com um humor britâncio, tiradas ácidas e diretas, e situações tão excêntricas que não consegui imaginá-las por completo. Mas o resultado continua sendo ímpar, tão cheio de referências que eu não saberia citar
nem metade, e completo, mesmo com a sensação de tantas pontas soltas.
Neste colab monstruoso nós conhecemos três figuras muito importantes: Aziraphale, um anjo que já foi guardião de um dos portões do Éden e hoje atua como livreiro (talvez o melhor que já vi... e o pior ao mesmo tempo); Crowley, a serpente que deu a maçã a Eva e que é indiretamente ou diretamente responsável pelo sucesso do Armaggedon; e Adam... o Anti-Cristo, filho do Capeta e o principal protagonista deste evento. Acompanhando as situações dos três intercaladas com a presença de mais uma dezena de outros personagens muito divertidos, o Apocalipse vai se aproximando, como se fosse uma grande festa, mas quem programou não avisou os convidados de que seria em outro lugar e a banda está voltando de um hiato de milênios e não faz ideia do que tocar. E essa é a melhor descrição que posso fazer sem entregar nenhum spoiler.
O texto é sórdido, ele te faz se perguntar se você deveria torcer ou não pelo Apocalipse, o que é bem uma característica de Terry Pratchett, mas ele também nos brinda com uma mitologia que é tão simplista quanto confusa e que te faz imaginar por horas o que há além daquilo, algo típico de Neil
A Morte veio buscar Terry como uma amiga
Gaiman. Peguemos o Cão, por exemplo, o monstruoso companheiro infernal de Adam, enviado para proteger e acompanhar o garoto em suas malevolências. Agora, imagine que por conta da criação nada deturpada da criança ele se tornou normal e por conta disso o cachorro infernal TAMBÉM ficou... normal. Ficamos na expectativa do que pode acontecer caso o Cão, por alguma sorte do destino, torne-se a máquina de destruição que ele foi projetado pra ser. O resultado? Hilário.
E esse é o ponto chave do texto dos dois. Ainda que as situações, dentro da minha concepção de leitor veterano, não estejam no ápice do que eles podem escrever, os personagens estão tinindo de tão afiados. Crowley é sádico, divertido, provocador. Aziraphale é um gentleman, um espécime de connossieur de classe S das profecias... ah, sim... as profecias.
Durante o livro nós somos apresentados às' Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa, possivelmente as únicas inscrições da história que são realmente fidedignas aos eventos que irão acontecer muito, muito depois da morte da sua autora. Um livro dentro do livro, esse tomo sagrado é do interesse tanto de Aziraphale quanto de outros personagens que acabam por aproveitar das predições para compreender o que está acontecendo, que às vezes nem nós, os leitores, oniscientes, conseguimos. E como são engraçadas as anotações da falecida e sacana maga. Por si só, a história de Agnes poderia render todo um livro maravilhoso. Sua personalidade, aliás, muito lembram outras bruxas de ambos os autores, o que comprova que a união deles rendeu bons frutos.
Mas Belas Maldições não é de todo perfeito. Algumas passagens causam perda de ritmo, o que me fez travar em alguns pontos, em especial quanto aos garotos de Adam. Parece que para não ser muito rápido em relação aos outros eventos do livro, o núcleo dele entrou em marcha lenta ao ponto de haver passagens que meio que repetem algo que já vimos antes. Além disso, os coadjuvantes do garoto, as outras crianças, não são tão divertidas quanto, digamos, a descendente da bruxa ou o caçador de bruxas novato. Por isso mesmo, Belas Maldições não é um livro que eu recomendaria para iniciantes em ambos os autores, deixando para depois de estarem acostumados com os estilos deles.

A LENDA!
Não por menos, depois de anos no forno estamos vendo os trailers da série que vai sair pela Amazon Prime e que tem um elenco primoroso, um design muito fiel às ideias dos livros (mas eu acho que os cavaleiros podiam ser um pouquinho mais estilosos) e, obrigatório, a trilha sonora com Queen. Até mesmo as adaptações parecem ter sido bem pensadas, com a inclusão de um personagem novo que parece MUITO interessante. Apesar de Terry Pratchett não estar mais neste plano, tendo ido se encontrar com Rincewind no Discworld, Neil Gaiman tem dado sua benção para essa produção e o trailer me animou um bocado.

Olha só essa dupla de anjos! (lindos David e Michael)
Então é isso, se você já é fã de um dos dois e ainda não leu Belas Maldições coloca na sua lista como Urgente para se preparar pra série e divirta-se. E se você for participar do fim do mundo não perca a chance de adquirir seu exemplar das previsões da Agnes. Eu te garanto, vai ser muito útil!

sábado, 26 de janeiro de 2019

Beastars - Uma metáfora colegial arrebatadora

Em vários anos lendo mangás, tive muitas boas surpresas e muitas decepções também, normalmente gosto de ler coisas diferentes, tentando encontrar obras que fujam do padrão shounen ou shoujo. Eventualmente descubro leituras agradáveis, rápidas e que se tornam esquecíveis, mas cuja experiência é, no mínimo, relaxante. E ás vezes... aparecem coisas como Beastars, que é um soco no estômago a cada capítulo, completo com personagens interessantes, uma narrativa agoniante e um suspense de dar nó. Uma delícia que está chegando ao Brasil pela editora Panini.

A trama principal ocorre no colégio Cherryton onde um estudante é assassinado e ninguém tem um suspeito, afinal, o colégio é lotado de "carnívoros". Legosi, um desses, é membro do clube de teatro e apesar de ser grande e parecer violento é um doce de pessoa. Um dia ele encontra Hal, uma garota muito pequena que tem uma aparência inofensiva, mas uma personalidade difícil e cheia de camadas. Apesar de se deixar envolver com Legosi, Hal tem um caso com a estrela do clube de teatro, Louis. Tudo bem japonês, a não ser pelo fato que Legosi é um lobo, Hal uma lebre e Louis um cervo... ah sim! E o assassinado foi uma ovelha de nome Tem.

O uso de animas antropomórficos como metáforas para estereótipos dos mangás é genial, com direito a várias referências ao padrão de divisão da sociedade. Os carnívoros e os herbívoros convivem no colégio mas há uma linha tênue no relacionamento deles que torna a vida escolar uma bomba prestes a explodir. Se por um lado Legosi se preocupa com sua atração por Hal com medo de comê-la no sentido literal da coisa, Hal está curiosa e ao mesmo tempo em pânico com a ideia de deixar ser comida... no sentido bíblico. A rivalidade de Legosi e Louis então, é uma mistura interessante de disputa de popularidade com a dominância do mais forte. Legosi é um monstro lutador, Louis é um astro de inteligência mordaz. E mesmo assim, fica óbvio que ambos são grandes amigos apesar de adversários.

O Belo e a Fera
E quando se pensa que a trama já entregou tudo que podia nós temos uma reviravolta, e outra, e outra. O mercado negro, o guardião que encontra Legosi, a máfia dos leões, a "outra loba", cada arco de Beastars é muito denso, cheio de personagens interessantes e muita tensão. Eu tinha até esquecido do assassinato do Tem até que a história joga na sua cara a resposta e ao mesmo tempo que ela parece simples há toda uma discussão sobre amizade e fome, dos mais diversos tipos. Mais uma vez, a metáfora quanto ao mundo animal é bem explorada.

Claro, Beastars não é perfeito, ás vezes algumas soluções apresentadas parecem até estúpidas, e temos personagens que, mesmo tendo sua importância, acabam relegados à diálogos ou atuações pífias como o Jack, melhor amigo de Legosi que aparece de vez em nunca. Por mais que eles se conheçam desde a infância, Legosi nunca procura Jack por conselhos ou pra ajudá-lo, talvez querendo proteger o labrador, talvez porque Legosi seja muito o lobo solitário. Mas isso não impede Jack de dar uma mãozinha, mesmo sem querer.

Cada encontro entre Legosi e Hal é bonito e também difícil de engolir
Duas coisas me surpreenderam pra valer em Beastars e me motivaram a recomendá-lo: uma envolve a vida pregressa de Louis e o passado de Legosi, que acabam se ligando ainda que de uma forma bem sutil. Sem dar spoilers, ambos tem problemas muito sérios em sua criação e é difícil dizer quem teve a infância mais zoada. A segunda coisa foi o cuidado em ser um mangá adulto mas sem apresentar características típicas dos seinens que se levam muito a sério, como a hipersexualização ou o gore exagerado. Estamos falando de animais que tem instintos primitivos de caça e sim, ocorrem lacerações, batalhas violentas e mortes, mas não tem sangue sobrando nas páginas ou violência gratuita só para saciar a sede de jovens que se divertem com a dor alheia. Em Beastars uma luta pode ser vencida com um golpe mortal ou uma palavra bem usada. Como no mundo real.

Amor adolescente: Sério e brutal
Na parte técnica tenho que exaltar o traço de Paru Itagaki, a autora consegue dar expressões muito humanas em rostos animalescos e transmitir todo tipo de emoção, de medo à tesão, de dor à prazer. E seu texto é muito dinâmico, do tipo que permite diálogos sagazes seguidos de piadas que não são do tipo mais normal, mas que exaltam a personalidade confusa dos adolescentes em costumeira confusão da idade. É o único trabalho que vi dela, então acredito que seja seu primeiro. Assim sendo começou muito bem! Publicado desde 2016, o mangá conta com atualmente 11 volumes e continua em circulação.

Beastars chegará em breve (tão breve a Panini permitir) e se você estiver procurando algo pra colocar na sua lista de leitura recomendo que dê uma chance. Provavelmente não vai se arrepender.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Castlevania – As 2 Temporadas


Ou... o prólogo mais longo que eu já vi.

Aviso: Tem Spoilers da Primeira Temporada e leves da Segunda.


Antes de falar da série, preciso citar que eu já tive em mãos Xenosaga, jogo cuja introdução leva meia hora só de vídeo e tem direito a Pause no meio. Então sim, eu sei o que é um prólogo longo, e Castlevania ganha disso absurdamente. Mas estou me adiantando, porque primeiro de tudo, tivemos os quatro episódios que venderam a série pra um público que ficou ansiando para ver as aventuras de Trevor, Sypha e, principalmente, Alucard. Segue comigo.Lançada em 2017 como mais uma das muitas iniciativas de adaptação da Netflix, Castlevania trouxe uma versão até bem fiel do material original, com uma história curta (curtíssima, na verdade) em quatro episódios de vinte e tantos minutos e mostrando Trevor Belmont chegando a uma cidade no leste Europeu e encontrando o Inferno na Terra porque... os humanos liderados pela Igreja mataram a mulher do Drácula e ele tá pistola. Digo, MUITO pistola. A vingança de Drácula é saguinolenta e até certo ponto desproporcional. Ele não somente mata os principais culpados, ele estraçalha tudo e todos pela frente. Assim, Trevor, meio contrariado, se opõe a ele e começa a batalha que todos conhecemos.

Mais Pistola que o Canarinho!
Aqui deixe-me fazer um comentário. Estou acostumado a adaptações que tomem liberdades para deixar a história mais interessante, mas a personalidade de Trevor foi bem diferente do que eu esperava. Seu jeito canastrão, as respostas ácidas e o fato dele ser tão reticente em ser um herói me pareceu o oposto do que seria um Belmont. Mas bem, é exatamente por isso que a química entre ele e Sypha Belnades (SIM! E ELA FAZ MAGIA!) rola tão bem, já que ela brilha onde ele esmaece. Juntos eles conseguem dar conta de boa parte do problema que rola na cidade até entrarem num labirinto de engrenagens que parece claramente uma das várias masmorras do jogo, e são tantas referências que fiquei apaixonado. Ao final, há um caixão e dentro dele... Adrian Tepes, vulgo ALUCARD! Num final de dar água na boca nós ficamos esperando uma segunda temporada.

E ela veio. Um ano depois, no Halloween, recebemos mais oito episódios, a promessa de aumentar e muito o manjar que nos davam. Só que... algo deu errado nesse processo. MUITO errado. Sem entrar em spoilers, afinal a temporada é bem recente, posso dizer que basicamente NADA de importante ocorre em quatro episódios. Passamos a acompanhar de perto o preparamento da guerra de Drácula, com a aparição de seus generais (dos quais só um tem nome, Godbrand), e também dos forjadores, os humanos que criam seu exército, Isaac e Hector. No meio vampírico também aparece Carmilla, vampira linda e poderosa cujo nome me fez ter faniquitos. Para os que não conhecem, Carmilla é uma personagem fora de Castlevania com um mito tão rico ou mais interessante que o do Vlad. Só que a série foca tanto no que está acontecendo dentro do castelo que sobra pouco tempo para o trio de heróis. E quando eles aparecem... bem, posso dizer que Sypha lê muito. Mesmo.

Tá vendo o Trevor no bar? É mais do que ele faz em QUATRO episódios!
Minha crítica principal é quanto à organização do roteiro, que se torna tão arrastado que não consigo lembrar bem como as coisas ocorreram, porque tinha a impressão de que não era importante. Há sim vários detalhes sobre as vidas de Isaac e Hector, como eles pararam do lado de Drácula e como é estranho que humanos sejam generais junto de vampiros na missão de exterminar a própria raça, mas... considerando os dois últimos episódios isso parece que não importa. O ritmo é muito arrastado e particularmente desnecessário. Quando enfim ocorre a batalha entre o trio principal e Drácula é uma luta insana, linda, mas que parece ignorar o que ocorreu até então.

E claro, há vários personagens particularmente desperdiçados. Godbrand é o exemplo mór do viking-ish, aquela pessoa que adora se chamar de viking, dizer que age como um mas na hora do vamos ver arreda. Todas as suas cenas se tornam enfadonhas quando chega o seu momento. Carmilla é outra que apesar de tramar, e caramba, ela trama bem, acaba se tornando mais uma coadjuvante antes de assumir o papel de vilã principal e é isso. Capute. E é por isso que falei de prólogo mais longo, são basicamente seis episódios que parecem dar dimensão aos personagens para termos enfim a história principal e meio que ela não acontece. E tem um episódio inteiro pra dar resolução aos personagens. Certeza, certeza, quando (e se) sair a terceira temporada, o resumo da segunda não vai durar um minuto a mais do que durou o da primeira.
Godbrand, tanto visual, nenhum conteúdo.
No fim das contas, por adaptar Dracula's Curse, o terceiro jogo da série (não em ordem cronológica), Castlevania, até o momento, tinha pouca história. Isso deve mudar caso eles ousem seguir outro Belmont ou mesmo outra Belnades, ou talvez até outro vilão (como foi sugerido). E claro, sempre há Symphony of the Night, o queridinho dos fãs da série. Há todo um território vasto que eles podem explorar. Mas por favor, fiquem longe de Lords of Shadows e Gabriel... argh!

Agora detalhes técnicos. Castlevania é muito bem feito, a animação é bem fluída e as cenas de batalha são estupendas. O gore, que não sou muito fã, não é exagerado e os monstros são horripilantes e amedrontadores. Senti uma certa perda de qualidade na segunda temporada com alguns ângulos bizonhos e falhas de anatomia, mas nada que faça virar o nariz. A caracterização dos personagens é ótima e tanto os heróis quanto os vilões são memoráveis. Ás vezes a altura do Drácula varia, passando de um cara alto pra um poste, mas vou dar um migué, o cara flutua e tem capa de três metros, vai que ele estava só zoando.

A dublagem é... estranha. As personagens parecem falar sempre num tom monótono e ás vezes ocorre uma modulação de voz mais trabalhada. E isso que Trevor é dublado por Richard Armitage, o furioso Thorin Escudo de Carvalho! Mas acredito que isso tenha sido uma escolha do próprio estúdio de dublagem para dar o clima sombrio da série. Agora, o que é digno de nota é que quem dá voz a Godbrand é Peter Stormare e se você não sabe de quem estou falando, ele é o próprio Satã no filme (fracassado) do Constantine com Keanu Reeves! Ahn, ahn? Por isso que ele é tão destoante do resto. Sendo justo, talvez, pelo estilo de animação, eu esperasse vozes mais... empolgantes, mas entendo também.

Por fim, Castlevania está disponível no Netflix por tempo indeterminado sendo uma produção deles, mas se quiser maratonar pode fazer isso em uma tarde e talvez não pareça tão arrastado. É uma boa sugestão para os fãs e para aqueles que gostam de histórias de vampiro. Para o resto... assistam algum dos filmes de terror do catálogo. Melhor.


Nota 8/10 (1ª) e 5/10 (2ª)
Pontos fortes: 1ª - Ótimo ritmo, sem enrolação, personagens interessantes e animação primorosa. 2ª - Carmilla, aprofundamento da família Belmont (com direito a referências) e o drama da família Drácula melhor trabalhado.
Pontos fracos: 1ª - Curta, muito curta, o fanservice do Alucard fica meio deslocado e parece que o Drácula soltou os bicho tudo sem plano algum (o que se prova verdade depois). 2ª - Existir... não, brincadeira, o fato de enrolar muito, perder o ritmo, desperdiçar personagens e ter um episódio inteiro de batalha pra um final morno.

sábado, 17 de novembro de 2018

Minha Estante - Mistborn - O Império Final

Vira e mexe eu leio algum livro que sinto que merece uma resenha. Na verdade, no caso deste aqui, eu tive que ler o segundo pra criar vergonha na cara e escrever sobre. Não é novo, foi lançado pela LeYa no Brasil em 2014, mas só este ano eu consegui devorar suas 600 páginas. E, meus amigos... acompanhem-me no resultado dessa degustação.


Eu tenho um problema com o senhor Brandon Sanderson. Quando comecei a ler este livro, ganho pela Amazon Kindle, eu o abandonei duas vezes até resolver que queria ver mais. Os primeiros capítulos me soaram maçantes, com um protagonista que não me convencia e um mundo que não me cativava. Mas, ah... como eu estava enganado sobre quanto gostaria de Kelsier, Vin e do resto da gangue...

Em resumo, o Império Final da Série Mistborn é uma Terra Média com esteroides e tecnologia, ainda que arcaica. Nós temos um Domínio Central controlado pelo Senhor Soberano, imperador E Deus deste mundo, e dezenas de nobres controlando o povo oprimido, aqui chamado de Skaa. Para manter seus nobres na linha, o Senhor Soberano (Lord Ruler em inglês, uma tradução fantástica) utiliza de obrigadores, servos leais a ele que detém um poder religioso através do Ministério do Aço. Se a vida de escravidão não fosse o suficiente, o Senhor Soberano é um ditador milenar que sufocou qualquer outro tipo de crença que não a em si e tornou os Skaa completamente devotos e temerosos, protegendo-os das brumas que aparecem ao anoitecer. Neste mundo preso a ferro, surge Kelsier, um Nascido das Brumas, dotado de poderes e de um plano mirabolante para derrubar o Senhor Soberano e libertar o povo.

Kelsier usando poderes alomânticos para derrotar um Inquisidor
De fato, Império Final começa sem dar muitos detalhes do que iremos encontrar, apresentando vários termos de uma vez só (skaa, obrigadores, inquisidores, etc.) e nos fazendo boiar no que está acontecendo, mas assim que lemos o encontro de Kelsier e Dockson, amigo de anos, percebemos que estamos diante de um Onze Homens e um Segredo ainda mais fantasioso. De fato, a conversa entre Kel e Dock na ponte me remeteu ao encontro de Danny (George Clooney, daddy!) e Rusty (Brad Pitt) para discutir o assalto do século. Nomes são citados em sequência e eu nem fazia ideia que acabaria gostando de todos eles. Mas estou me adiantando.

No outro ponto da trama temos Vin, uma garota que teve uma vida bem sofrida e hoje trabalha na gangue de ladrões do Camon, um trapaceiro de meia tigela que tem intenção de roubar do Ministério do Aço, o que é, claramente, uma péssima ideia. Durante o plano os caminhos de Kelsier e Vin se cruzam e a trama começa a funcionar. Kelsier salva o grupo de Camon de um Inquisidor do Aço e de quebra toma conta do local, assumindo Vin como sua protegida, para surpresa e desconfiança dela, e logo surgem os outros membros da gangue. Hammond, o brutamontes; Brisa, um abrandador; Trevo, esfumaçador; e Yeden, líder dos revoltosos, com quem Kelsier faz um pacto para executar seu plano.

Vin na estonteante arte de Alex Allen
A partir daí o livro fica maravilhoso, com longas explicações sobre a Alomancia, o truque com metais que dá poderes ao pessoal da gangue e principalmente a Kelsier... e Vin, que se torna sua aprendiz. Vamos aos poucos entendendo melhor como funciona o Império Final do Senhor Soberano, os poderes alomânticos e os segredos desse mundo que tem tanto a explorar. E Brandon nunca entrega, nem aos personagens, nem a nós todos os mistérios. Vamos descobrindo, juntos, o que levou um homem a se tornar Deus e destruir para reconstruir o mundo ao seu bel prazer. Claro, Brandon dá dicas com trechos da “biografia” do Senhor Soberano que coloca no começo de cada capítulo, mas como vim a descobrir até o fim do segundo volume, muitas vezes esses trechos escondem mais que revelam.

Agora, pontos fortes da obra: personagens cativantes. Não só Kelsier e Vin, reais protagonistas da série, mas Docks, Ham, Brisa, Trevo, Yeden, Fantasma, Sazed, até mesmo Elend... todos vão se mostrando interessantes e divertidos de acompanhar. Em Mistborn a narração não se trava em um personagem só e ás vezes acabamos seguindo por cima do ombro de algum dos outros, o que faz que possamos entender melhor como certos eventos ocorrem. Outro ponto forte: trama política bem desenvolvida. Diferente de outras obras fantasiosas, em Mistborn a política é quase palpável, parte do plano de Kelsier inclusive depende das reações esperadas dos nobres. Quando Vin é colocada para lidar com eles, vemos a riqueza da construção de mundo de Sanderson.

Último ponto forte é como os detalhes são descritos, sem se tornar enfadonho, e nos permitindo visualizar o cenário e personagens. Em minha mente eu imaginava a movimentação dos brumosos, as batalhas de Kelsier, os locais da cidade que tem um estilo entre a Idade Média e o Vitoriano. Daria um bom material para RPG, aliás.

Arte das três capas da série: O Império Final, Poço da Ascensão e O Herói das Eras
Agora, nem tudo é bom em Mistborn. Pelo menos duas coisas me incomodaram sumariamente, e as duas envolvem Vin. Vejam bem, eu adoro romance, e torço muito pela união de personagens queridos. Mas a atração dela pelo seu par é tão... óbvia, que parece destoar do resto. Aliás, dentro do livro todo ela fica flutuante, como um detalhe que só atrapalha até perto da conclusão quando se justifica, mesmo que fracamente. E quando acontece, fica o gosto amargo do “Ah tá”, tirando a graça da situação. Acredito que a obra inteira poderia passar sem ela, mesmo já tendo lido o segundo livro.

A outra é quanto ao teste de Bechdel, e essa me irrita. Vin é uma personagem interessante, toda sua trajetória no primeiro livro, se descobrindo e aprendendo a confiar, a torna não somente querida, mas admirada. É lindo ver seu crescimento e como ela deixa de pensar no que poderia feri-la e passa a reconhecer as coisas que gosta. Só que, tirando a parte boa, do aprendizado e da liberação de traumas, ela acaba sendo construída cercada de homens e com um modelo bem patriarcal. Eu lembro de apenas DUAS personagens com quem ela conversa no primeiro livro e nenhuma delas se torna uma conexão realmente importante. Aliás, simplesmente não há diálogo dela com outras garotas de forma confortável criando relação de amizade. Mas há toda a gangue da qual ela é a única garota. Entenderam?

Apesar dos pesares, Império Final me deixou curioso sobre Poço da Ascensão, do qual falarei em breve. Não recomendo para todos, mas sugiro a leitura para quem quiser um universo interessante. Eu gostei da história, e tenho interesse de completar com Herói das Eras, mas sempre com um pé atrás. Talvez, só talvez, como Martin, Rowling e outros autores, Sanderson tenha aprendido um pouco com a sua trajetória e corrigido seus erros. Assim espero.

Nota 8/10
Pontos fortes: Personagens cativantes, universo interessante, trama envolvente.
Pontos fracos: Má construção de personagens femininas, demora a engrenar, solução fácil para alguns problemas.

sábado, 27 de outubro de 2018

Era uma vez...

Continuando a árdua tarefa de registrar os meus passos, venho falar da minha participação na Semana do Escritor no SESC da Prainha, em Florianópolis. Durante os dias 22 a 26 de Outubro vários autores passaram pela Biblioteca do SESC e tiveram contato com o público no geral e, em especial, crianças, falando de suas obras, do seu trabalho e também contando histórias e declamando poesia. Eu, muito grato, fui convidado a participar e nessa terça, dia 23, estava lá entre as 14h e 16h.

Olha a bancada linda que a Ann fez pra mim!
Admito que quando cheguei estava despreparado para o que viria. Mais acostumado a lidar com feiras do livro, meu contato maior sempre foi com adultos, mas assim que soltei minhas caixas no lindo espaço da biblioteca a Verônica Santos, minha anfitriã e excelentíssima amiga, me disse que logo viriam as crianças. Um alarme soou: "Oh-oh, o que eu faço?". De repente entravam os garotos e garotas da Escola Baldicero Filomeno, lá do bairro Tapera (longe-longe), e eu olhava pras suas carinhas de 11, 12 anos... o nervosismo bateu forte. Mas foi só abrir a boca e ZÁS!, descobri que sabia exatamente o que falar.



Foi muito gostoso conversar com eles por uma hora, entretê-los com minhas histórias e fazê-los participar das brincadeiras. Fiz amizade com o Paulo Vitor (ô irmão, Vitor Paulo...), o Ruan, a Lavínia, muita gente boa (desculpem não citar todos, mas segura que tem homenagem!). Por fim, eles foram com a promessa de que eu daria algo pra eles poderem comentar e... ah, eu vou cumprir essa promessa, hein?

Logo depois a Verônica me falou que, infelizmente, a menina que contaria histórias pra criançada não pode ir então eu me dispus a fazê-lo, só não tinha certeza se poderia falar tanto porque, bem, eu achei que não teria histórias o suficiente. Mas mais uma vez, PIMBA! Eu estava pronto! Perguntei às crianças o que elas queriam ouvir e me disseram sem pestanejar: Terror! Agora, pensem comigo, crianças de 4, 5 anos... terror? Oh Céus, o que direi? Mas rapidamente saquei da mala um truque, de fazer interação com elas usando o cenário e pronto! Três batidas... o sinal do bicho papão!! Elas se divertiram muito.



Quando acabei, logo veio um pequeno, o Davi, me pedir pra contar sobre dinossauros e então falei do brontossauro que ficou sem comida e foi ajudado por um raptor. Foi ainda mais divertido e rendeu muitas risadas. As crianças adoraram e tirei uma foto com elas, bem feliz. Só parei porque tava dando hora e elas tinham que seguir também. Mas me ajudou a redescobrir a alegria de contar histórias pra grupinhos assim, acho que vou trabalhar mais nisso!

Tchurminha simpática!
Nesse dia recebi o convite de participar do sarau de encerramento na sexta, dia 26, ali mesmo na biblioteca. Meio encabulado, sem saber bem o que apresentar, apareci e encontrei vários amigos... Os
MUITO arrepiado!
queridos VeVe e Conceição, a sempre sorridente Suzana Zilli, a fantástica dona Osmarina, a suave e doce Olga Postal... muitas pessoas maravilhosas que abrilhantariam a noite. Pouco depois de começar também apareceu a Célia Ribeira Moraes, minha colega, co-fundadora e presidente da Academia de Letras e Artes de Florianópolis que sentou-se ao meu lado e apreciou comigo o espetáculo. Foram várias performances de música, poesia, contação de história e uma energia muito boa. Fiquei encantado especialmente com um grupo de professores que fizeram uma união perfeita de Drummond, poesias próprias e interpretações de arrepiar.




Por fim, quando cada um se apresentava, em especial os membros da Associação dos Contistas, Poetas e Cronistas Catarinenses (ACPCC) eu fui convocado a falar. E o frio na barriga? Depois de tantas atuações de nível pensei no que poderia fazer. Naturalmente, veio a resposta como um lampejo, contei a história que originalmente era o conto que vou reproduzir aqui embaixo, sobre um lobo e sua paixão pela lua. O resultado foi uma salva de aplausos que me deu muito orgulho de receber. Foi assim que concluí esta fantástica participação nos eventos do SESC que me deixou não só satisfeito, mas esperançoso. Que próximos passos darei? Veremos!



O Lobo que amava a Lua

Há muito, muito tempo havia um lobo tão negro quanto a escuridão, seu pelo longo belo e brilhante, e de coração muito nobre. Esse lobo um dia olhou para o céu e viu algo tão belo que seu coração bateu mais rápido. O lobo se apaixonou pela Lua, veja só! Caído de amor, o lobo resolveu que queria chegar até ela e partiu em uma jornada.
Passou por florestas e desertos, lagos e montes, cavernas e cidades, nunca parando, sempre seguindo. Durante o caminho fez vários amigos, e todos perguntavam:
— Pra onde vai, ó nobre lobo?
E ele respondia, os olhos muito alegres e o focinho aberto em um sorriso:
— Vou atrás do meu sonho, do meu amor, a lua!
Os amigos sorriam de volta para ele, mas sempre pensavam:
— Coitado, a lua está tão longe! Como vai alcançá-la?
Alguns até falaram com ele, pediram que voltasse, ou que, como os outros lobos, sentasse e uivasse para ela, mas ele respondia:
— Meu amor vai abrir portas, vai construir pontes e vai me dar asas! Sei que um dia chegarei lá!
E seus amigos balançavam a cabeça, tristes, pensando que ele nunca conseguiria.
Um dia o lobo viu a lua mais próxima do que o normal, tão grande, tão ofuscante, redonda e cheia, de um amarelo quase dourado e soube que tinha chego a hora. Subiu na montanha mais alta, passando por muita neve que caía do céu, mas a lua continuava lá, entre as nuvens, como se quisesse guiá-lo, correspondendo à sua paixão. Não se importando com os ventos frios e cortantes, com a nevasca lhe batendo no corpo, o lobo seguiu, e a neve ia colando ao seu pelo negro. Quando chegou ao topo da montanha o lobo parou apenas uma vez para olhá-la de novo, e enchendo-se de coragem se jogou ao vazio.
Ainda hoje é possível vê-lo por entre as estrelas, seu pelo grudado no céu e a neve em sua pelagem se tornando a linda constelação de Lupus... o lobo que alcançou as estrelas para ficar perto de sua amada lua.